Definição
A ética profissional, para Max Weber, está culturalmente ligada a processos de modernização e racionalização das formas de conduta de vida. Ao contrário de Karl Marx, que via o desenvolvimento do capitalismo através de uma lente econômica, ou de Émile Durkheim, que enfocava a divisão do trabalho social, Weber analisa a profissionalização e o capitalismo pela via cultural, investigando como certas condutas religiosas moldaram o comportamento econômico e profissional nas sociedades ocidentais modernas.
A Ética Protestante
É na sua conhecida obra, A ética protestante e o “espírito” do capitalismo, que Weber (2004) examina mais detalhadamente como determinados valores religiosos, particularmente aqueles associados ao protestantismo ascético, influenciaram o surgimento de uma ética de trabalho que favoreceu o desenvolvimento do capitalismo moderno. Weber (2004) argumenta que, enquanto o capitalismo como sistema econômico existia em diferentes épocas e culturas, foi no Ocidente moderno que ele se desenvolveu em sua forma racionalizada, organizada para a maximização dos resultados (fins). Um dos fatores para essa racionalização foi a formação de uma “ética protestante” que incentivava o trabalho diligente, a disciplina e a modéstia como virtudes (Weber, 2004).
Essa análise se baseia em observações empíricas de Weber, que notou uma correlação entre a filiação religiosa e a participação em certos setores da economia. Ele percebeu que protestantes, particularmente aqueles ligados a correntes como o Calvinismo e o Pietismo, estavam mais frequentemente presentes entre os empresários e profissionais qualificados na Alemanha. Weber investigou como essas crenças religiosas moldavam a relação dessas pessoas com o trabalho, o sucesso e a vida econômica.
“Profissão” e “vocação”
Weber identificou na tradução de Martinho Lutero da Bíblia para o alemão o conceito de beruf (“profissão”). Lutero introduziu a ideia de que o trabalho não era apenas uma atividade econômica, mas uma missão divina, Berufung (“vocação”, “chamado”). Embora Schluchter (2014) nos sinalize que Weber não via o luteranismo como uma religião ascética, isto possibilitou a base de um ethos novo para os indivíduos protestantes que, com a emergência do calvinismo americano (realmente ascético, na percepção de Weber) passaram a encarar seu trabalho com um senso de dever moral, aplicando à vida cotidiana o mesmo rigor ascético que antes era reservado aos mosteiros, dedicando-se com disciplina e compromisso, rejeitando prazeres mundanos em prol da realização de suas tarefas diárias, ajudando a consolidar uma forma moderna de trabalho racionalizado (Weber, 2004). Para os calvinistas, o sucesso no labor era visto como um sinal da predestinação divina, e o acúmulo de riqueza, desde que obtido de forma honesta e disciplinada, era interpretado como uma evidência da Graça superior. O resultado foi a formação de uma ética que valorizava o esforço contínuo, o autoaperfeiçoamento, a frugalidade, aspectos que, para Weber, foram fundamentais para o desenvolvimento do capitalismo moderno (Weber, 2004).
Profissionalização e a Racionalização do Mundo
Weber observou que, a partir dessa forma de autorregramento alinhando-se com a racionalização crescente das relações sociais e econômicas, a busca por eficiência e a otimização dos meios de produção tornaram-se centrais nas sociedades ocidentais, dando surgimento a uma ética profissional voltada para a produtividade e o desempenho (Weber, 2004). Esse ethos acabou se espelhando nas estruturas burocráticas do Estado e das empresas, que também passaram a exigir maior qualificação e competência dos trabalhadores. A ética profissional, nesse contexto, está ligada à especialização técnica e à formação educacional formal que se tornaram requisitos fundamentais para o ingresso em muitas profissões. O desenvolvimento de cursos técnicos e superiores e a regulamentação de profissões liberais refletem essa nova demanda por experts altamente qualificados, capazes de atender às rogativas de um mundo produtivo cada vez mais complexo racional.
Aplicação e atualidade do conceito
Weber destaca em duas ocasiões (2010; 2011) o papel prático da ética profissional, trata-se das suas duas conferências de 1919, Wissenschaft als Beruf e Politik als Beruf, Ciência como Profissão e Política como Profissão. (Note-se como no Brasil estes títulos foram traduzidos substituindo a ideia de “profissão” por “vocação”, Ciência como Vocação e Política como Vocação). Nas duas conferências Weber trata da formação e execução da ética voltada à atividade profissional docente, científica e política. Atualmente, Schmitz (2014) destaca a influência de Weber nas correntes teóricas da sociologia das profissões, especialmente a chamada “neoweberiana”.
Citações
“O desenvolvimento do profissional e seu significado como componente do ‘espírito’ capitalista — é a esse tema, acima de tudo, que minhas pesquisas clara e intencionalmente se limitam” (PE II, p. 173, apud Schluchter, 2014, p. 92, grifos do autor).
“O puritano queria tornar-se um profissional – nós devemos sê-lo. Pois, a ascese, ao se transferir das celas dos mosteiros para a vida profissional, passou a dominar a moralidade intramundana e assim contribuiu [com sua parte] para edificar esse poderoso cosmos da ordem econômica moderna, ligado aos pressupostos técnicos e econômicos da produção pelas máquina, que hoje determina com pressão avassaladora o estilo de vida de todos os indivíduos que nascem dentro dessa engrenagem – não só dos economicamente ativos – e talvez continue a determinar até que cesse de queimar a última porção de combustível fóssil” (Weber, 2013, p. 165).
Referências Bibliográficas
Schluchter, W. O desencantamento do mundo: seis estudos sobre Max Weber. Trad. e Apres. Sell, Carlos E. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2104.
SCHMITZ, Aldo A. Max Weber e a corrente neoweberiana na sociologia das profissões. Em Tese, v. 11, n. 1, p. 10-29, 2014. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/emtese/article/view/1806-5023.2014v11n1p10 Acesso em: 10 set. 2024.
WEBER, Max. A ética e o “espírito” do capitalismo. MACEDO, José M. M. (Trad.). 12. reimp. São Paulo: Cia. das Letras, 2004.
GERTH, H.H.; WRIGTH-MILLS, C. (orgs.) Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro, LTC Editora. 5. Imp. [1946] 2010. pp. 90-110.
WEBER, Max. Ciência e política: duas vocações. 18. ed. São Paulo: Cultrix, 2011.
Como citar este verbete:
CARVALHO, Marcio J. R. de. Ética Profissional: Verbete. In: Enciclopédia Max Weber. 2024. Disponível em: https://www.enciclopediamaxweber.org/%C3%ADndice-geral-de-entradas/%C3%A9tica-profissional Acesso em: dd.mm.aaaa.