Definição
A sociologia, ou “sistemática”, da religião, dentro da obra de Max Weber aborda a influência e o papel das religiões para além da perspectiva histórica na formação e organização das sociedades humanas. Ele já havia mostrado em outra ocasião (Weber, 2010) como a religião, através de sua conduta ética, acaba por formar um campo autônomo de influência valorativa, ou uma “esfera religiosa”, que serve a orientação das formas de conduta de vida (Lebensführer), influindo, inclusive, na formação de outras esferas autônomas de valor. Em sua abordagem sociológica, Weber (2015) analisou como o sentido das crenças, práticas e estruturas religiosas impactam tanto o comportamento individual quanto as interações coletivas, e demarcou as conexões entre religião e o ordenamento do mundo social, político e econômico. Em suas palavras, “[...] não é da "essência" da religião que nos ocuparemos, e sim das condições e efeitos de determinado tipo de ação comunitária cuja compreensão também aqui só pode ser alcançada a partir das vivências, representações e fins subjetivos dos indivíduos [...]” (Weber, 2015, p. 279).
Nascimento da religião
Para Weber (2015), a religião surge a partir de práticas ancestrais baseadas na magia, que visam manipular forças sobrenaturais para obter benefícios materiais, inicialmente ligadas à comunidade tribal e à busca de proteção e prosperidade. Com o tempo, ela se diferencia da magia ao introduzir conceitos abstratos, como “deuses” e “alma”, e ao desenvolver cultos organizados. A magia, para Weber (2015), está intimamente ligada ao controle de forças naturais ou espirituais através de rituais específicos, e mais associada a curas e proteção, sendo acessível por meio de rituais e manipulada por especialistas como o mago. Enquanto a religião institucionaliza um culto contínuo, com sacerdotes e doutrinas, com o tempo, ocorre uma transição do domínio mágico para o religioso, à medida que as religiões incorporam rituais e práticas mágicas em seus sistemas. Essa transição marca o surgimento de classes sacerdotais, distintas dos magos, que passam a gerir os rituais e a regular as relações entre os humanos e o sobrenatural. Weber afirma que “o nascimento de deuses locais propriamente ditos está ligado, por sua vez, não apenas a uma vida sedentária como também a outros pressupostos que fazem da associação local uma portadora de significados políticos”, de modo que, a religião se torna parte fundamental da ordem social, legitimando as hierarquias de poder e as estruturas políticas (Weber, 2015, p. 289).
Saber Sagrado
Outro tema abordado por Weber é o conceito de saber sagrado, ou seja, o conhecimento que é detido pelo sacerdote e outros líderes religiosos, muitas vezes em oposição ao saber leigo. Esse saber sagrado, geralmente envolto em rituais e segredos, confere ao sacerdócio um status de autoridade espiritual e social, permitindo-lhes influenciar tanto o comportamento coletivo quanto as instituições políticas. Weber também analisa como esse saber é sistematizado e transmitido, muitas vezes criando um monopólio do conhecimento religioso que reforça as estruturas hierárquicas.
Ética Religiosa, Tabu e Sagrado
Weber (2015) demonstra como as diferentes religiões impõem normas morais e na forma de éticas normativas e argumenta que a religião tem a capacidade de moldar o comportamento humano, criando sistemas éticos que legitimam ou condenam certas formas de vida. Por exemplo, enquanto religiões focadas na salvação tendem a romper com o mundo material, outras aceitam as convenções e normas intramundanas, gerando diferentes formas de relação entre a fé e a vida cotidiana. Já o conceito de “tabu” está associado à sacralização de objetos, alimentos, comportamentos ou grupos de pessoas e as proibições ritualísticas vinculadas ao tabu frequentemente aparecem para garantir a separação entre o sagrado e o profano, evitando contaminações que afetem tanto a pureza do indivíduo quanto a do grupo. As religiões ancestrais utilizavam o tabu como formas de proteger a ordem social e os privilégios dos estamentos superiores, como sacerdotes e nobres. O tabu também serve como base para o desenvolvimento de uma norma legalista em que algumas ações são consideradas sacrilégios se violarem normas estabelecidas.
Religião e Ordem Social: Estamentos, Classes e Religião
Weber explora como a religião influencia diretamente a ordem social, estabelecendo uma ética religiosa que contribui para a estabilidade ou transformação das estruturas de poder. As religiões de salvação, como o cristianismo e o islamismo, muitas vezes entram em tensão com as normas e valores políticos e econômicos. Ao investigar a relação entre estamentos, classes e religião, Weber destaca como a religião pode tanto reforçar quanto desafiar as divisões sociais. Em sociedades tradicionais, os estamentos superiores, como os sacerdotes e nobres, utilizavam a religião para justificar sua posição social, enquanto as classes subordinadas eram mantidas sob controle através de normas religiosas que glorificavam a obediência e a humildade. Weber mostra que o sistema de castas da Índia é um exemplo clássico dessa interação entre religião e estrutura social, onde a religião legitima a divisão do trabalho e a segregação de castas. Ele observa, no entanto, que nem sempre a religião age como uma força conservadora; em certos contextos, movimentos religiosos são motores de transformação social. Ele aponta que religiões baseadas em normas legalistas tendem a cristalizar os sistemas sociais, enquanto religiões proféticas podem provocar mudanças sociais revolucionárias, ao desafiar diretamente as ordens políticas estabelecidas. Além disso, as religiões frequentemente legitimam estruturas de dominação ao sancionar a autoridade dos governantes como representantes divinos.
Referências Bibliográficas
Weber, M. Sociologia da religião (tipos de relações comunitárias religiosas). In: Weber, M. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. (Trad.) Barbosa, R. E Barbosa, K. E. 4. ed. Brasília: UnB, 2015c. p. 279-418.
Como citar este verbete:
CARVALHO, Marcio J. R. de. Sociologia da religião: Verbete. In: Enciclopédia Max Weber. 2024. Disponível em: https://www.enciclopediamaxweber.org/%C3%ADndice-geral-de-entradas/sociologia-da-religi%C3%A3o Acesso em: dd.mm.aaaa.