Lucie Dorette Marianne Schnitger Weber (1870–1954)
Marianne Weber foi uma intelectual proeminente no pensamento sociológico e nos estudos feministas na Alemanha na primeira metade do século XX, com contribuições no campo da história, da filosofia política e no campo ativista. Seus trabalhos apresentam a complexidade das relações de gênero nas sociedades modernas, com ênfase na questão da desigualdade. Neste sentido, a construção social dos papeis masculino e feminino e as estruturas que a possibilitam são seus objetos principais, destacando-se a condição da mulher (social e jurídica) no contexto da união matrimonial. Para além dos estudos sobre o casamento como instituição social, o trabalho de Marianne revelou as barreiras enfrentadas pelas mulheres em ambientes acadêmicos e profissionais, ao mesmo tempo que explorava o impacto das desigualdades sociais nas relações privadas e públicas. Como socióloga, Marianne também contribuiu para os estudos teóricos da sociologia clássica, além de ter sido a curadora do espólio intelectual de seu esposo, Max Weber, garantindo que a relevância das ideias do autor permanecesse por meio da propagação de seu legado à posteridade.
Relacionamento com Max Weber
O casamento de Marianne Weber com seu primo de segundo grau, Max Weber, foi marcado por colaborações intelectuais entre ambos e uma plêiade de nomes proeminentes de Heidelberg que frequentava a residência do casal, com Georg Simmel, Edgard Jaffé, Karl Jaspers, Robert Michels e Werner Sombart. Conforme detalhado por Hanke (2009), Marianne significou um ponto nuclear na vida de Max, especialmente durante seus períodos de dificuldades de saúde. Apesar de estar frequentemente à sombra da proeminência de Max Weber que ela mesma ajudou a erguer, as contribuições intelectuais próprias de Marianne à sociologia foram significativas e se sustentam de forma independente na história do pensamento social alemão. Ela trabalhou consistentemente em projetos autorais, estabelecendo liberdade produtiva e relevância intelectual. Embora sua obra frequentemente dialogue com os conceitos de Max Weber (assim como de Durkheim, Simmel e outros), destacou-se por integrar uma perspectiva de relação entre gênero e poder à sociologia, abordando temas que iam além do escopo tradicional da disciplina à época.
O nome de Marianne Weber é frequentemente associado ao nome de Max Weber, com quem esteve casada de 1893 até o final da vida de Max, em 1920. O motivo maior desta associação vem diretamente do fato de que Marianne foi a curadora do espólio intelectual de Max Weber e sua principal editora, tarefa à qual se dedicou até seus últimos dias, no ano de 1954. Os arranjos editoriais de Marianne Weber para publicar os textos de Max em obras mais ou menos coesas permanecem até o presente, consagrando-se em títulos de renome, como Economia e Sociedade [Wirtschaft und Gesellschaft] (1920), a obra famosa, porém, “datada e fragmentada” (Carvalho; Gonçalves, 2024), que Marianne Weber editou a partir de textos avulsos e outros excertos deixados pelo marido. As contribuições de Marianne como editora e publicadora das obras póstumas de Max garantiram a influência duradoura que ele alcançou na sociologia. Marianne afirmou: ‘‘Max Weber’s desk is now my altar’’ ["A mesa de Max Weber é agora meu altar"], ilustrando sua dedicação à preservação do legado intelectual do autor (Hanke, 2009, p. 350). Em 1926 — ao concluir a organização da obra do marido, coroando-a com uma biografia —, Marianne escreveu ao seu editor: ‘‘... now that the book is finished and set forth in the world I feel I have reached a new turning point, almost like the loss of my husband all over again.’’ [“...agora que o livro está pronto e publicado no mundo, sinto que cheguei a um novo ponto de virada, quase como se a perda do meu marido tivesse acontecido novamente”] (Hanke, 2009, 356).
Produção intelectual
Como enumerado por Da Mata (2014), Marianne Weber teve nove livros e mais de 70 artigos publicados ao longo de sua carreira, sendo sua obra mais significativa Ehefrau und Mutter in der Rechtsentwicklung (Esposa e mãe no desenvolvimento jurídico), de 1907. Nesse trabalho, ela explora a relação jurídica do matrimonial com a condição social feminina, articulando uma análise crítica que rejeita a submissão feminina como algo natural e moral. Segundo Marianne, "a submissão feminina não tem como ser moralmente justificada" (Weber, Marianne, apud Da Mata, 2014, p. 153), e essa premissa fundamenta sua defesa de reformas legais que promovam a autonomia das mulheres dentro e fora do casamento.
Santos e Silva (2014), acentuam que Ehefrau und Mutter... examina as leis matrimoniais sob uma perspectiva histórica, destacando como as normas legais corroboram para a manutenção das desigualdades entre homens e mulheres, tanto no âmbito jurídico quanto social. Marianne Weber, conforme Pedron (2020) publicou obras que exploravam o tema das desigualdades na relação entre direitos civis e condição feminina. Na sua abordagem crítica, na qual analisa a evolução das leis matrimoniais e sua conexão com a subordinação das mulheres, Marianne argumentava que as mulheres não deveriam ser meras apêndices no espaço público e defendia sua inclusão ativa nos processos sociais e políticos. Além destes pontos, Debia, Lobato e Ozamiz (2016) destacam que a produção intelectual de Marianne Weber inclui análises detalhadas sobre o papel das mulheres na produção de cultura objetiva. Em sua obra, Marianne explorou a tensão entre o trabalho científico e a vida pessoal das mulheres, propondo que a independência intelectual feminina era essencial para a emancipação cultural e moral. Suas reflexões consideraram as desigualdades de gênero como um dos principais fatores que limitavam a participação plena das mulheres na sociedade. Estermann e Debia (2023) acrescentam que Marianne enfatizava que o desenvolvimento social e cultural deveria incluir as vozes e experiências femininas, e sua obra, no que tange a questão de gênero, é pioneira na crítica às normas jurídicas na sociedade alemã de seu tempo.
Marianne Weber e a Teoria Sociológica
Marianne Weber contribuiu significativamente para a teoria sociológica, especialmente ao explorar as interseções entre direito, sociedade e gênero. Neste sentido, Hanke (2009) acentua que na abordagem analítica de Marianne é evidente em seus esforços para contextualizar as instituições sociais dentro de quadros históricos e culturais. Seus escritos sociológicos refletem uma compreensão detalhada de como as dinâmicas de poder e normas culturais moldam as estruturas sociais, particularmente em relação aos papéis das mulheres.
Como teórica, Marianne Weber propôs uma concepção do "agir autônomo e responsável"(Da Mata, 2014, p. 155), que combinava a liberdade individual com obrigações sociais. Em sua obra, ela investigou como as instituições sociais, incluindo o casamento, poderiam ser reformadas para superar desigualdades de gênero e promover a dignidade humana.
Teorias sobre Casamento e Matrimônio
Um dos temas centrais de Marianne Weber era o casamento como instituição social, uma instituição essencial para a sociedade, porém, marcada por desequilíbrios de poder. Ela defendia reformas que garantissem liberdade e igualdade para ambos os cônjuges, enfatizando a necessidade de repensar as bases culturais e legais que sustentavam o domínio masculino. Suas teorias sobre casamento, assinala Hanke (2009) enfatizam sua natureza dual como um constructo pessoal e societal. As perspectivas de Marianne Weber sobre matrimônio desafiaram normas tradicionais, defendendo um equilíbrio entre autonomia individual e respeito mútuo nas relações conjugais.
Marianne Weber via o casamento como uma instituição essencial para a sociedade, porém, marcada por desequilíbrios de poder. Ela defendia reformas que garantissem liberdade e igualdade para ambos os cônjuges, enfatizando a necessidade de repensar as bases culturais e legais que sustentavam o domínio masculino.
Marianne Weber e o movimento de mulheres (Frauenbewegung) na Alemanha
Como destacado por Santos (2024) “O conceito feminismo, empregado pela primeira vez nos anos de 1880 pelas feministas francesas, só passou a ser utilizado mais amplamente como autodesignação pelos movimentos de mulheres alemãs a partir de 1970” e se designava Frauenbewegung, a mobilização feminina na Alemanha, literalmente, “Movimento de mulheres” (Santos, 2024, p. 06).
Ativa no Frauenbewegung, Marianne presidiu a Federação Alemã de Associações Femininas e participou de debates sobre a reforma do direito matrimonial. Ela criticava as justificativas naturalistas e essencialistas para a subordinação das mulheres, argumentando que tais visões reduziam a condição feminina a um papel biológico, defendendo que as mulheres deveriam ser reconhecidas como seres humanos autônomos, com igualdade moral e jurídica em relação aos homens. Esse posicionamento a levou a defender a inclusão das mulheres nas esferas pública e política, bem como nas esferas acadêmica e profissional, como condição essencial para sua emancipação plena. Hanke (2009) destaca que Marianne Weber foi uma defensora ativa dos direitos das mulheres, entrelaçando seus ideais feministas com seus insights sociológicos. Ela participou ativamente do movimento das mulheres na Alemanha, promovendo reformas na educação, direitos trabalhistas e leis matrimoniais. Seu trabalho transcendeu a simples defesa da igualdade, investigando as barreiras estruturais e culturais que perpetuavam as desigualdades de gênero.
Referências Bibliográficas
CARVALHO, Marcio J. R. de; GONÇALVES, Israel Ap. A nova “velha história” de Economia e Sociedade, de Max Weber: um estudo de caso em sociologia de circulação das ideias. In: CARVALHO, Marcio J.R de et al (org.). Sociologia e direito. v 2. João Pessoa: Periodicojs Editora, 2024. Cap. 3. p. 37-60. ISBN: 978-65-6010-100-5. https://www.researchgate.net/publication/382118039_Sociologia_e_Direito_-_Volume_2
DA MATA, Giulle Adriana Vieira. Condição feminina e casamento a partir da obra de Marianne Weber. Caderno Espaço Feminino-Uberlândia-MG, v. 27, 2014. Disponível em: https://seer.ufu.br/index.php/neguem/article/download/27176/16388 Acesso em 10 nov 2024.
DEBIA, Eliana; LOBATO, Sabrina; OZAMIZ, Andrea. Las aportes de Flora Tristán y Marianne Weber a la formación del pensamiento sociológico clásico. In: IX Jornadas de Sociología de la UNLP 5-7 de diciembre de 2016 Ensenada, Argentina. Universidad Nacional de La Plata. Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación. Departamento de Sociología, 2016. Disponível em: https://www.memoria.fahce.unlp.edu.ar/library?a=d&c=eventos&d=Jev8795 Acesso em 10 nov 2024.
ESTERMANN, Victoria; DEBIA, Eliana. Marianne Schnitger Weber y el feminismo alemán de principios del siglo XX. Andamios, v. 20, n. 52, p. 133-157, 2023. Disponível em: https://www.scielo.org.mx/scielo.php?pid=S1870-00632023000200133&script=sci_arttext Acesso em 10 nov 2024.
HANKE, Edith. ‘Max Weber’s Desk is now my Altar’: Marianne Weber and the intellectual heritage of her husband. History of European Ideas, v. 35, Apr. 2009, pp. 349–359. Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1016/j.histeuroideas.2009.01.003?scroll=top&needAccess=true Acesso em 10 nov 2024.
PEDRON, Caio César. Ciência e política como vocação: o esquecido legado de marianne weber para a sociologia contemporânea. o esquecido legado de Marianne Weber para a sociologia contemporânea. 2020. Blog do Labemus. Disponível em: https://blogdolabemus.com/tag/marianne-weber/ . Acesso em: 10 nov. 2024.
SANTOS, Patrícia da Silva. Outros gêneros, outras modernidades: contribuições de Marianne Weber para uma teoria social clássica generificada. Sociologia & Antropologia, v. 14, n. 1, 2024. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sant/a/cnCJs5VmMTkdMdkHqNmYVym/?lang=pt Acesso em 10 nov 2024.
Como citar este verbete:
CARVALHO, Marcio J. R. de. Weber, Marianne: Verbete. In: Enciclopédia Max Weber. 2024. Disponível em: https://www.enciclopediamaxweber.org/%C3%ADndice-geral/weber-marianne. Acesso em: dd.mm.aaaa.