Definição
A ideia de “modernidade”, dentro dos escritos de Max Weber, refere-se aos tipos de forma (estruturas) e substância (cultura, ideias, plano simbólico ou valorativo) que organizam e orientam os processos sociais ocidentais, ligadas a um tipo específico de racionalidade como conduta de vida. Contudo, as análises de Weber não coadunavam com uma percepção universalista e evolucionista, segundo a qual a modernidade ocidental seria o pináculo do desenvolvimento intelectual humano e modelo a ser perseguido pelas civilizações não ocidentais. Diferentemente de concepções de “progresso” positivista, evolucionista, etapista, linear ou teleológica, Weber via a modernidade para além dos determinismos e como um fenômeno multifacetado, enraizado em um conjunto sui generis de condições culturais, econômicas e religiosas específicas do Ocidente.
Ocidente e Oriente
Weber observa o Ocidente (Europa e América) em contraste com outras regiões não ocidentais, e vê, como expresso acima, a modernidade como uma experiência que surgiu especificamente no Ocidente. Neste sentido, Sell (2013) adverte que “Weber [ao contrário de Hegel] não apenas não cedeu às ilusões da teleologia, como também escapou das armadilhas de um eurocentrismo centrado em uma visão dual que contrapõe, de um lado, o ‘Oriente’, e, do outro, o ‘Ocidente’ como totalidades antagônicas fechadas” (Sell, 2013, p. 69). Neste sentido, Sell (2013) não nega a leitura que Weber faz do mundo não ocidental a partir da perspectiva de um homem nascido europeu, contudo, observa que ao analisar as culturas não ocidentais, Weber está usando um recurso comparativo “para entender a modernidade em si mesma” e não para explicar ou impor uma visão valorativa sobre o outro, e “neste sentido trata-se de um eurocentrismo heurístico, mas não normativo”, baseado, então, “em uma divisão tipológica e não topológica do mundo social” (idem, destaque do autor).
Tradição e Modernidade
Weber via a modernidade como um processo de “desencantamento do mundo”, no qual as práticas e os valores tradicionais perdem espaço para a lógica da racionalidade técnica e burocrática, entretanto, ele também reconhecia a influência das tradições na formação da modernidade ocidental (Cf. Pierucci, 2003). A ética protestante, por exemplo, embora parta de uma tradição religiosa, desempenhou um papel importante no surgimento do capitalismo moderno, evidenciando que traços da modernidade podem coexistir com elementos tradicionais. Essa interação entre tradição e modernidade revela que a ruptura com o passado não é absoluta; ao contrário, a modernidade muitas vezes transforma ou redefine tradições, integrando-as em novos sistemas de valor e ação.
Racionalidade e Racionalização
Para Weber, a racionalização é um processo pelo qual a eficiência e a previsibilidade se tornam dominantes, moldando tanto as ações individuais quanto as instituições, manifestando-se principalmente na racionalização da economia e na burocratização da administração pública. Ele distingue dois tipos de racionalidade: a formal, que se orienta pela eficiência e previsibilidade, e a substantiva, que leva em conta valores éticos e sociais. Em um elucidativo debate ocorrido entre especialistas, Schluchter nos lembra que Weber “evitava totalmente o conceito de ‘moderno’” (Henrich; Offe; Schluchter, 1990, p. 229) quando se referia ao desenvolvimento de um tipo de racionalidade da Europa e da América, muito por entender que esse processo se deu no desdobramento “de uma concatenação de circunstâncias” (Henrich; Offe; Schluchter, 1990, p. 233) particulares e não resultante das intenções deliberadas e executadas por agentes históricos prescientes dos desdobramentos futuros, ou, nas palavras de Offe, “um processo histórico não intencional [...] um acontecer evolucionário e desprovido de sujeito, relativo a um complexo cultural de fatos vitais muito específico e temporal e localmente muito improvável do ponto de vista histórico, que então têm consequências globais” (Henrich; Offe; Schluchter, 1990, p. 234), processo cuja origem, complementa Henrich, “data num tempo muito mais remoto” do que se possa atribuir aos próprios eventos históricos como o Iluminismo ou a Revolução Francesa.
Análise Histórica
Portanto, na abordagem histórica de Weber, a modernidade não é o resultado de um progresso intencional, linear e planejado, longe disso, trata-se de um processo histórico caracterizado por eventos e fatores contingentes com múltiplas causas e efeitos, muitos deles impremeditados. Ele destaca (Weber, 2004), por exemplo, a importância da Reforma Protestante e da ética calvinista no Ocidente, fatores que, em seu diagnóstico, contribuíram significativamente e de forma imprevista para a racionalização econômica e para a organização do trabalho de maneira racional e eficiente.
A “crosta de aço”
A stahlhartes Gehäuse — por influência de Parsons traduzida “jaula de ferro” (iron cage), ou, na tradução de Regis Barbosa e Gabriel Cohn, “carapaça de aço” (Henrich; Offe; Schluchter, 1990), e definida por Pierucci (2004) “crosta de aço” — é uma metáfora utilizada por Weber (2004) para descrever a condição do indivíduo na sociedade moderna, aprisionado em um sistema burocrático e racionalizado que, embora eficiente, limita severamente a liberdade pessoal e a criatividade. Esse conceito reflete uma das críticas centrais de Weber à modernidade: o paradoxo de que a busca por ordem e racionalidade acaba gerando uma forma de servidão moderna, na qual as pessoas estão sujeitas a sistemas impessoais e alienantes, que moldam suas vidas de maneira quase inescapável, esquema ao qual alguns atribuem um caráter fatalista (Henrich; Offe; Schluchter, 1990).
Desdobramentos contemporâneos
Weber aborda a modernidade como um processo histórico, porém, sem direção única, no qual as instituições sociais, econômicas e políticas se desenvolvem a partir de interações e sobreposições de fatores culturais, sociais, políticos e valorativos. Essa visão de Weber se contrapõe a uma concepção de história positivista e teleológica, enfatizando a complexidade e a multiplicidade de fatores que convergem para configurar a modernidade como processo contingente, que não é resultado de uma única força ou intenção, mas de uma série de desenvolvimentos pluridirecionais que, ao longo do tempo, resultaram nas estruturas que definem o mundo moderno. Esta concepção de uma racionalidade ocidental que não é universalmente aplicável a todas as culturas e tempos históricos recebe atualização tanto da perspectiva crítica quanto da aderente, através do debate sobre modernidades múltiplas (EISENSTADT, 2001; KNÖBL, 2006; SCHWINN, 2017), no qual, por exemplo, há uma forte discussão sobre o grau e o tipo de perspectiva eurocêntrica com que Weber percebe a racionalidade não ocidental (EISENSTADT, 2001).
Referências Bibliográficas
EISENSTADT, Shmuel Noah. Modernidades múltiplas. 2001. Repositório do Iscte – Instituto Universitário de Lisboa. Disponível em: https://repositorio.iscte-iul.pt/bitstream/10071/404/1/35.06.pdf Acesso em: 16 out. 2024.
HENRICH, Dieter; OFFE, Claus; SCHLUCHTER, Wolfgang. Max Weber e o projeto da modernidade. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, p. 229-257, 1990. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ln/a/XkCyRvkcd3m46JBzQ8qY6BF/# Acesso em: 17 out 2024.
PIERUCCI, Antônio F. Tábua de correspondência vocabular. In: WEBER, M. A ética e o “espírito” do capitalismo. MACEDO, José M. M. (Trad.). PIERUCCI, Antônio F. (Org.). 12. reimp. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. p. 17-23.
PIERUCCI, Antônio F. O desencantamento do mundo: todos os passos de um conceito. São Paulo, Editora 34, 2003.
KNÖBL, Wolfgang. Max Weber, as múltiplas modernidades e a reorientação da teoria sociológica. Dados, v. 49, p. 483-509, 2006. Disponível em: https://www.scielo.br/j/dados/a/ZScMVPxf5ZGrbSgKwdS8B4z/?lang=pt&format=html Acesso em: 16 out. 2024.
SCHWINN, T. Aspectos e problemas de uma compreensão plural de modernidade. GONÇALVES, M. (Trad.). Revista de Teoria da História, Goiânia, v. 16, n. 2, p. 223–256, 2017. Disponível em: https://revistas.ufg.br/teoria/article/view/44819. Acesso em: 16 out. 2024.
SELL, C. E. Max Weber e a racionalização da vida. Petrópolis: Vozes, 2014.
Como citar este verbete:
CARVALHO, Marcio J. R. de. Modernidade: Verbete. In: Enciclopédia Max Weber. 2024. Disponível em: https://www.enciclopediamaxweber.org/%C3%ADndice-geral-de-entradas/modernidade. Acesso em: dd.mm.aaaa.